segunda-feira, 17 de março de 2014

Como melhor interpretar e absorver suas leituras

“Uma pessoa que não lê não possui vantagem alguma sobre quem não sabe ler.” ― Mark Twain
Livros são objetos fantásticos. Como Carl Sagan disse, um livro é a prova que humanos são capazes de fazer mágica. Seja para ajudar na vida, com a experiência acumulada de milhões de pessoas que já viveram, ou para nos levar a outros mundos em viagens fantásticas quando o presente não é tão atraente, ler é uma das atividades mais poderosas que a mente humana é capaz de realizar.
Ainda assim, não lemos o suficiente. Falta de estímulo familiar, maus hábitos escolares e mesmo problemas sociais contribuem para isso; não lemos o bastante e perdemos uma quantidade inestimável de valor no processo.
Ao mesmo tempo, criamos uma sociedade analfabeta. Aqui no Brasil, o analfabetismo funcional atinge 75% da população geral e 38% dos universitários.
Pare um pouco e espere a ficha cair: aproximadamente 3 em cada 4 brasileiros não conseguem interpretar o que leem.
calvin leitura
Conversar sobre como se interpreta o que se lê é tão importante quanto ensinar as pessoas a ler.
A leitura é um processo e pode ser aprimorada.
Uma parte do problema é assumirmos que lemos bem o suficiente, sem ter parado para estudar o processo de leitura ou mesmo experimentar diferentes modos de fazê-la.
Muito além de juntar letras em palavras, ler é sua forma de se relacionar com a experiência transmitida pelo autor, seja através de informações concretas ou através de histórias. Se falta técnica para extrair a informação, você está deixando valor sobre a mesa.
Há algum tempo, decidi levar meu hábito de leitura a sério e hoje é um dos pilares mais importantes do meu trabalho. Muitas pessoas me perguntam no Aprendizado Acelerado como fazer uma melhor leitura e extrair mais conteúdo de livros.
Recentemente, até recebi um email de uma leitora que faz nosso curso contando ter lido A arte da Guerra, do Sun Tzu várias vezes e não ter entendido o porquê do livro ser tão celebrado, se consta apenas de princípios militares. Sem um método para extrair significado da leitura, estamos soltos ao acaso.
Os pontos que seguem abaixo são uma sopa, uma grande mistura das melhores práticas que absorvi de várias fontes ao longo dos anos.

1. Leia muito e diversamente

Em seu famoso livro “Como ler um livro”, Mortimer Adler fala sobre os vários tipos de leitura. O mais básico, que aprendemos durante o processo de alfabetização, é a leitura elementar; simplesmente juntar letras em palavras e palavras em frases.
Você pode ficar mais hábil na leitura elementar com prática simples. Leia tudo, até mesmo bula de remédio (como diz minha mãe). Quanto mais você ler, melhor e mais rápida será sua leitura elementar. Se quiser recomendações, fiz uma lista com livros que aprecio, atualizada todo mês.
A leitura analítica, aquela que fazemos quando estamos realmente lendo algo (aprendendo, extraindo conteúdo) se beneficia tremendamente de contato constante com ambientes diferentes, como ficções históricas, livros técnicos, poemas, tratados militares e poesia de cordel.
Isso faz sentido se você pensar em termos de zona de conforto: para quem lê apenas romances, um livro de poesias é um stress que vai forçar a pessoa a sair da zona de conforto (e entrar na zona de aprendizado), se adaptando e melhorando. Quanto mais você variar, melhor.
É importante também quebrar a mentalidade de “leitura para escola”, ou “leitura de paradidáticos”. Você agora está lendo para a vida. Não há regras: você pode ler absolutamente tudo aquilo que desejar.
“Qualquer coisa que você aprende se torna sua riqueza, uma riqueza que não pode ser tomada de você; seja se você aprende em um prédio chamado escola ou na escola da vida. Aprender algo novo é um prazer sem fim e um tesouro valioso. E nem todas as coisas que você aprende são ensinadas a você, mas muitas coisas que aprende você percebe ter ensinado a si mesmo.” ― C. JoyBell
Está curioso sobre a vida de Richard Feynman? Quer saber mais sobre marketing para pequenas empresas? Quer entender melhor o ritual de acasalamento das girafas? Há livros para tudo e você é livre para saciar sua curiosidade.
Pessoalmente, mesmo que eu encare leitura como parte do meu trabalho, não parece obrigação de jeito algum.

2. Entenda onde está se metendo

Um outro tipo de leitura trazido por Mortimer é a leitura por inspeção. Se você tem o hábito de visitar livrarias para “dar uma olhada” nos livros, então sabe o que é isso. Trata-se de literalmente inspecionar a obra: olhar capa, verso, sumário, introdução, modo de argumentação, estilo de escrita e afins.
A ideia é buscar conhecimento sobre o livro antes de começar a lê-lo. O que normalmente fazemos para analisar se vale a pena ou não comprar aquela obra pode ser feito de modo sistemático para ajudar no processo de leitura em si.
Levando essa mentalidade um pouco além, você não precisa se restringir à leitura por inspeção para entender a obra. Você pode fazer mais, pesquisando sobre o contexto histórico no qual o autor estava imerso, seu estilo de escrita, as ideias que costuma defender em suas obras etc.
Ler entendendo todo esse contexto trará muito mais claridade sobre o que está sendo dito. O mesmo acontece com músicas. Por exemplo, se você isola uma canção de seu álbum, pode ser que perca bastante coisa em termos de sentido, intenção do compositor e sobre como as partes se conectam para formar o todo.
leitura
Se durante as primeiras 50 páginas você ainda estiver conhecendo o conteúdo do livro, então é provável que já esteja atrasado. Seja em resenhas, em trabalhos acadêmicos ou em resumos alheios, busque o que puder a respeito do livro antes de iniciar a “leitura tradicional”, de modo a estar bem preparado para absorver o que ele tem a oferecer. Uma boa ideia é dar uma passada no Skoob e ver os comentários, ler os reviews da Amazon, se souber inglês, dar uma olhada na página da wikipedia sobre o autor e sobre o livro, se existirem.
Quanto mais relevante a obra, mais informações você pode levantar.

3. Não respeite os livros

Admito: sempre fui culpado desse crime. Eu comecei minha jornada pelo mundo da leitura, no começo da adolescência – com a série Harry Potter – e sempre tive muito apego aos livros. Sempre impecáveis, sem risco ou mesmo amasso nas páginas. Ficava em choque quando via as pessoas usando marca-texto e mutilando as páginas com tinta verde.
Outra causa para esse respeito em excesso com os livros é a mentalidade de livros didáticos que absorvemos da escola. A cultura comum é danificar os livros o mínimo possível de modo a maximizar o valor de revenda quando o ano acabar. Afinal de contas, livros, especialmente os didáticos, são coisa cara.
Felizmente, isso aqui não é a escola, esse cuidado extremo pode ser contraproducente. Leitura é uma via de mão dupla, uma conversa entre o autor e o leitor. Como diz Mortimer:
“Ler um livro deveria ser uma conversação entre você e o autor. Presumidamente, ele sabe mais sobre o tema do que você; caso contrário, você provavelmente não deveria se importar com o livro dele. Mas compreensão é uma estrada de mão-dupla; o aprendiz tem que se questionar e questionar o professor, uma vez que ele entende o que professor está dizendo. Marcar um livro é literalmente uma expressão de suas diferenças ou concordâncias com o autor. É o respeito mais alto que você pode prestá-lo.”
Para tirar o máximo de um livro, de modo algum você pode valorizar mais a integridade física dele do que esse diálogo com o autor.
Essa prática de riscar, sublinhar, fazer esquemas e capturar pensamentos é o nosso modo de interagir ativamente com o livro, buscando a compreensão ao se perguntar o porquê daquilo. Aliás, esse é um passo essencial para retenção do conteúdo; esse processo de tomada de notas “estendido” já é parte do aprendizado, fase que eu chamo de captura.
IMG_20140224_193059Se alguém falar da minha letra, eu juro que…
Como exatamente ‘vandalizar’ livros nos ajuda a reter o conteúdo? Em duas frentes principais: na compreensão do texto e na promoção de uma melhor organização do conteúdo no cérebro (o que melhora a taxa de aprendizado).
Para ambientes de sala de aula, o efeito positivo da interrogação elaborativa é bem estabelecido, especialmente quando estudantes são perguntados o “porquê” do conteúdo ao qual são expostos fazer sentido ou ser inesperado.
Os estudos mostram como não só o aprendizado é melhor, como mesmo quando os estudantes não capturam os fatos completamente, eles são capazes de fazer associações de maneira correta.
Em nossa leitura do dia a dia, o processo de “vandalizar” os livros é apenas uma aplicação prática da elaboração interrogativa: riscar, sublinhar, buscar definições, anotar, tudo isso são formas de interação ativa que promovem o aumento da compreensão.
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Por outro lado, sebe-se que os schemas são a unidade básica do conhecimento, o modo como seu cérebro organiza informações e extrai algum sentido delas. Para quem não lembra ou não quiser clicar no link, podemos dizer resumidamente que eles são pequenos pedaços da realidade: você possui um schema para representar um carro, outro para melancias, outro para elefantes.
Ao tomar notas, reorganizar argumentos e fazer perguntas, você está integrando as novas informações com aquelas já existentes no seu cérebro, atualizando e criando novos schemas, solidificando o aprendizado.
Quando você lê sem esse pensamento crítico em paralelo, o processo é raso e o aprendizado não ocorre com a mesma qualidade.
Também por isso que, de alguns meses para cá, mudei minha leitura para livros físicos (eu tinha um Kindle) e a retenção aumentou sensivelmente.
Existe em mim todo aquele fetichismo por literatura e sou desses que sonha em criar a própria biblioteca. Contudo, encaro os livros como instrumentos e a melhor maneira deles me servirem não é como troféu para mostrar toda a minha “esperteza”, mas processados em minha estante, facilitando o acesso a essas anotações.

4. Mantenha uma coleção pessoal de aforismos, passagens e citações

Depois de terminar de ler o livro, é melhor não deixar todo o conhecimento acumulado ali, naquelas mesmas páginas. É preciso desenvolver um sistema para capturar passagens  significativas, boas citações e ideias importantes surgidas durante a leitura. Para tanto, aprendi a usar um caderno de notas.
Depois de concluir a leitura, eu deixo o livro decantar por algumas semanas e depois volto a ele para “destilar” meus rabiscos e os trechos significativos que destaquei.
Junto tudo: aforismos, ideias, citações, qualquer coisa de valor que possa extrair do livro, escrevo e guardo em meu caderno de notas. Claro, não estou reinventando a roda aqui. Estou usando um sistema adaptado de Robert Greene e Ryan Holiday.
“Eu leio um livro, muito cuidadosamente, escrevendo nas margens tudo quanto é tipo de nota. Depois de algumas semanas, eu volto ao livro, transfiro meus rabiscos em cartões de nota, cada cartão representando um tema importante no livro.” ― Robert Greene
Ao longo da história, várias mentes fizeram o mesmo: Ronald Reagan, Ralph Emerson, Montaigne, Raymond Chandler (que disse quando você usar sua energia para colocar essas palavras no papel, você está mais inclinado a fazê-las valer a pena), Marco Aurélio (cujo livro de notas deu nascimento a sua obra Meditações) e muitos outros.
IMG_20140301_144906Meu bloco
Para o processo ficar realmente rico, não precisa se resumir a pensamentos extraídos de livros: qualquer coisa importante que você aprender na vida, seja em conversas com amigos, em um vídeo da internet ou seja aquele insight que vem na hora do banho, escreva.
Na pior das hipóteses, o livro de notas será sua coletânea de ideias obtidas ao longo da vida, tal qual foi para Marco Aurélio.
Emerson resume bem:
“Faça sua própria bíblia. Selecione e colete todas as palavras e sentenças que, em toda sua leitura, tiveram um impacto tão grande quanto a explosão de uma trombeta de Shakespeare, Seneca, Moisés, John e Paul”.

5. Aplique à sua vida

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Use o que aprendeu. Se você passa a enxergar seu livro de notas como mais do que uma coleção de citações, possivelmente vai ver a experiência acumulada ali. Milhões e milhões de pessoas já viveram antes de você e deixaram a lições de vida através de suas escritas. Você pode aprender muito com a experiência daqueles que já se foram.
Quando você olha por esse ângulo, parece até injusto: quem não lê, aprende com experiência direta; no máximo, com experiência de amigos e familiares. Quem lê, pode aprender com a vida de todas as pessoas na história que já dedicaram seu tempo a deixar algum registro.
A manutenção e o uso de um livro de notas é facilmente justificado para mim, já que me serve muito bem em meus textos e palestras. Mas acredito que é de serventia para todo mundo: faço uso desse conhecimento em emails para amigos, documentos, quando busco guia para problemas pessoais, ao oferecer conselhos para pessoas em dificuldades.
Se você sente que pode absorver melhor o conteúdo dos livros que lê ou se acredita ter dificuldade em tirar lições práticas da leitura, manter um livro de notas tem chances de ser bem útil.
Manter essa coleção é um projeto para a vida toda. Eu comecei há pouco tempo, quase um ano, e tenho algumas centenas de notas acumuladas. Elas são algumas das minhas posses mais valiosas. Comece primeiro, estruture um sistema depois. É provável que valha a pena.
E vocês, como fazem as suas leituras? Têm algum método para aprofundar a imersão?



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