quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Capítulo 7


Capítulo 7 – Ponto de Encontro


   A brisa na Colina de Mélis era fria e constante, Merlon contemplava as muralhas de Pescoço dos homens a distância, na escuridão seu enorme paredão não passava de uma mancha cinzenta no horizonte. O Rio de Ferro corria selvagem ao lado da colina, e em seu cume, aos pés do Grande Castanheiro, um velho fumava seu cachimbo.
  - Sabe Decadência, acho que posso conviver com esse fraco fumo dos homens, pouco restou do bom fumo das montanhas – deu uma longa baforada, e soltou uma coluna fina de fumaça que se espalhou pelos galhos do Castanheiro, subindo, dançando entre as folhas – é uma pena que os dias andem tão escuros, Andor ja foi bela, tão bela quanto o dia.
  Então Merlon sentiu uma presença, se aproximava com andar incerto, tocou o galho que estava ao seu lado, e estava pronto para agir quando se deu conta de que era Nogard, o garoto estava ali, ao seu lado, esfregando os olhos e com o cabelo completamente desgrenhado.
  - Não consigo dormir. – disse Nogard sentando-se ao lado do velho.
  - Ora então fique aqui, será uma agradavel companhia, quer ouvir uma história? – perguntou Merlon apoiando seu cachimbo no joelho, enquanto separava mais alguns tufos de fumo.
  Nogard ainda estava meio sonolento, recostou-se no tronco da grande árvore.
  - Merlon posso te fazer uma pergunta? – o velho acentiu, estranhando a falta de interesse de Nogard por uma história – Qual meu sobrenome?
  Merlon acendeu seu cachimbo novamente, deu outra baforada, e passou a mão pela longa barba branca.
  - O mesmo sobrenome de seu pai, as pessoas dão muito valor para os segundos nomes Nogard, mas isso não é importante, deixe-me lhe contar uma pequena história. Houve um tempo, muitos anos atrás, tantos quanto se pode contar, em que os homens precisavam de apenas um nome, não havia sobrenome ou segundo nome, todos eram grandes irmãos, partilhavam da bondade e da bravura, o sobrenome deles era a natureza, os campos, as árvores e os animais. – Merlon apontou em direção às escuras muralhas de Pescoço dos Homens – O que aqueles homens prezam é um sobrenome Nogard, pois eles acreditam que a bravura ou as riquezas permanecem em uma simples palavra, mas eu lhe digo, aqui nas sombras do grande altar da antiga Rainha, Mélis, eles são tolos.
  Nogard olhou para a cidade ao longe, mas meu pai era forte e corajoso, eu devo ser como ele, pensou o garoto. Nogard olhou para as mãos vazias.
  - Mas sem um sobrenome não se tem nada, não herdarei nem mesmo Pátio dos Arqueiros.
  Merlon pôs a mão no ombro do garoto.
  - Escute Nogard, um nome é apenas uma palavra, e as palavras não significam mais do que essa brisa que nos toca, os atos dizem mais que as palavras, não importa seu sobrenome, você não precisa de um, apontando aquilo que você foi ou de onde vem, o que importa mesmo, é você nunca se esquecer quem você é, aquilo que você deseja ser, e escolher as sábias e justas atitudes para conquistar o que deseja. Conheci muitos homens nobres Nogard, Lordes, grandes Senhores e até um Rei, homens cujas vidas eu salvei muitas vezes, e também conheci homens muito pobres, os quais salvaram minha vida muitas vezes, um nome não salva vidas Nogard, não em Pescoço dos Homens, não em Andor.
  - Então qualquer um pode ser Rei, até eu?
  Merlon não conteve o riso. Bagunçou os cabelos de Nogard mais do que ja estavam.
  - Não vamos exagerar está bem. Nem todo Rei é honrado Nogard, e nem todo ferreiro é forte como um touro, lembre-se, são apenas nomes, apenas palavras.
  E os dois sorriram.
  Merlon foi até a pequena mesa, encheu uma caneca com leite e levou para Nogard na árvore, quando o velho se sentou o garoto agradeceu e bebeu metade da caneca de um gole só.
  Repentinamente Nogard levantou-se e começou a olhar para todos os lados, como se procurasse alguma coisa, estava assustado e derrubou o resto do leite no chão.
  - O que foi? – Merlon perguntou apreensivo.
  - Não sei, alguma coisa esta perto, mas não sei o que é.
  Então Merlon sentiu, em seu espírito, uma presença maligna, uma presença que se movia pela noite como as sombras, estavam se aproximando e Merlon sabia o que eram.
  - Rápido garoto, na carroça sob o banco – disse o velho enquanto levantava. Nogard pegou o longo embrulho e entregou a Merlon, era pesado demais e estava envolvido em uma grossa manta de couro – Acorde Arwen. – ordenou Merlon.
  - Não será preciso ela já esta aqui. – disse Nogard apontando para a garota sonolenta se aproximando.
  - Mas que barulheira é essa – disse Arwen -, dessa forma não consigo dormir.
  Eles estavam perto agora, faziam uma algazarra de blasfêmias e grunhidos, eram tão barulhentos que até um surdo poderia ouvi-los, Merlon pensou em esconder as crianças na carroça mas não havia mais tempo, eles ja estavam ali, um por um foram emergindo da encosta da colina, a fogueira começou a iluminar aquilo que Andor mais temia, os Bulks.
  - Venham aqui. – Merlon chamou as crianças para debaixo de sua capa.
  A brisa continuava a soprar, e Nogard e Arwen conseguiram espiar por uma fresta na capa de Merlon, e aquilo que eles viram foi assustador. Cinco criaturas horríveis se aproximavam deles, uma sexta estava montada em uma criatura animalesca, um Warg. Eles possuíam a pele negra como a noite e eram repletos de cicatrizes e marcas de batalha, usavam armaduras velhas, remendadas e enferrujadas, possuíam longos cabelos negros e eram altos, tão altos quanto Merlon, tinham as botas imundas e cobertas de barro, todos estavam armados, com espadas negras e arcos de osso, seus dentes eram pontas afiadas, salivando, por sangue e carne. O maior deles possuía um elmo rachado que parecia ser de algum guerreiro dos Postos de Sentinela, e seu sorriso ao ver Merlon foi asqueroso.
  - Um verme em uma toca rapazes. – disse o maior deles.
  Os outros cinco cercaram o acampamento, Merlon e as crianças não moviam um músculo sequer.
  Então Merlon falou.
  - Vá embora escuridão, aqui não é o seu lugar. – todos os Bulks riram ao mesmo tempo. O warg não parava de farejar o chão e rosnar como um lobo enraivecido.
  Arwen tremia como um filhote recém nascido, toda a coragem a abandonou, não posso deixar que eles machuquem Arwen, pensou Nogard, que continuava a prestar atenção à conversa que acontecia fora da capa de Merlon.
  - Acho que aqui não é o seu lugar velho. – nesse momento mais criaturas se aproximaram, Bulks e Wargs, Nogard não conseguiu conta-los com precisão mas eram mais de doze.
  Dois grupos de Bulks que se encontravam ali, naquele Castanheiro, para repartirem os saques e os espólios da arruaça que promoviam à noite.
  Então o Warg finalmente farejou o que estava procurando, as crianças. A criatura jogou a cabeça para trás e uivou, o seu cavaleiro logo percebeu do que se tratava.
  - Crianças? Que saboroso, teremos um jantar de um Rei esta noite rapazes. – os Bulks riam e rosnavam, batiam suas espadas no chão, alguns arranhavam a árvore com unhas negras como garras.
  Arwen saiu debaixo da capa de Merlon o suficiente para que os Bulks vissem que era uma garota. Então Nogard saltou para fora da capa de Merlon, para desespero do velho, pegou um galho próximo e segurou-o com as duas mãos.
  - Vão embora, se forem embora não vamos lhes fazer mal. – disse Nogard com seu galho em punho.
  - Calado, não fale com as sombras. – repreendeu Merlon.
  - Mas nós podem...
  - Quieto! – repreendeu Merlon mais uma vez.
  Então os Bulks reconheceram Nogard, o seu capitão, aquele que estava com o elmo rachado, arregalou os olhos, todos os Bulks se entreolharam, então o seu capitão fez uma careta e mostrou os dentes, rosnando como um animal, desembainhou sua lamina negra e todos os outros empunharam suas espadas.
  Merlon teve tempo apenas de tocar o cabo de sua espada, escondida no embrulho, antes de ouvir o Bulk dizer.

  - Matem o velho e a menina, peguem o pirralho.