quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Capítulo 6


Capítulo 6 – Um Sobrenome


   A manhã chegou rápido, o sol brilhava forte, e o seu calor logo espantou o frio da madrugada. A carroça de Merlon seguia sua tortuosa e lenta viagem, sendo puxada por seus cavalos magricelas. No Banco de Condução agora sentavam-se Nogard, Merlon e Arwen, que estava de péssimo humor, por ter sido descoberta, por ter furado seu vestido em uma das lanças de Lorde Grum, e por ter perdido seus bolinhos de morango para o velho Merlon, que já havia devorado oito dos dez que ela trouxera.
  - Arwen Venderim, filha da Bolkuriana Mawreen e do desconfiado Multer, um Curista notável aquele senhor, você tem uma tendência a arte da cura garota, não devia desperdiça-la tentando ser um escudeiro, agora em relação à sua estadia em minha carroça, é do conhecimento de seus pais minha jovem? – perguntou Merlon, comendo os últimos dois bolinhos, para tristeza de Arwen.
  - Não. – Arwen sabia que a resposta era tola mas não podia dizer mais nada, se eles soubessem não haveria necessidade de se esconder na bagagem. Merlon também sabia disso, mas decidiu que gostaria de ouvir isso de Arwen.
  - Entendo, de qualquer forma não podemos voltar agora, já deixamos os campos de trigo para trás e nos aproximamos da Colina de Mélis, tenho um prazo para entregar essas lanças e não pretendo perde-lo.
  - Quanto tempo... até Pescoço? – perguntou Nogard, que quase não estava falando durante a viagem, parte por estar exitado demais com a ideia de ver cavaleiros de verdade, parte por estar tão pálido quanto os cavalos de Merlon, devido ao balançar da carroça.
  O velho deu uma olhada para o céu e outra para a muralha distante.
  - À cavalo, pouco menos de um dia de viagem, mas essa carroça pesada não cruzara o portão da cidade em menos de três dias, mas não se preocupe, tenho sacos de dormir suficientes, algo me dizia que você não viria sozinho, é quase impossível separa-los, andam juntos, riem juntos e roubam juntos.
  Esse ultimo comentário fez Nogard corar, Arwen no entanto estava com um humor tão terrível que espantaria o Falso Rei em pessoa.
  - Mas devolvemos suas lanças, você devolverá meus bolinhos? – perguntou Arwen com um bico emburrado, o bico mais emburrado que Merlon já vira.
   Merlon não conteve uma longa e pesada gargalhada.
- Perdoe-me jovem escudeira, tenho uma queda por doces – explicou Merlon passando a mão por baixo do banco de condução -, aqui, pegue. – e atirou um pequeno embrulho no colo de Arwen.
  Quando Arwen abriu o pacote teve uma surpresa, e o aroma que saiu do embrulho tocou seu rosto como um beijo de boa noite.
  - Gotas de Prata? – perguntou Nogard tomando o pacote das mãos de Arwen, esquecendo de imediato todo o enjôo da viagem.
  - Nog, espere isso é meu. – disse Arwen.
  -  Desculpe Arwen mas não me contive. – respondeu o garoto com a boca tão cheia, com os deliciosos frutos adocicados, que quase não foi compreendido por Arwen.
  Por fim eles dividiram as Gotas de Prata. Não sem muitas brigas. Merlon fez uma pequena curva para a direita e começaram a subida da Colina de Mélis.
  A colina era coberta por uma fina camada de capim novo, e no seu topo havia um enorme castanheiro, com uma copa grande o suficiente para abrigar cinquenta homens da chuva, e ali Merlon parou e desamarrou os cavalos, afim de que pudessem pastar mais a vontade. Ali, sob aquelas folhas e galhos grossos, em tempos passados a Rainha dos Banedúim, Mélis a Bela, se casou com o Rei Bárbaro, último Rei dos Banedúim, Artaroth o Altivo. Um casamento banhado em um amor inquebrável. Um amor infinito, que foi interrompido pelas ambições dos homens.
  Chegaram ao topo da colina ao meio-dia. E ali montaram um pequeno acampamento, Merlon retirou uma mesa pequena e três cadeiras da carroça, colocou-as à sombra da árvore e começou a preparar uma fogueira, sem parar de falar com Decadência um minuto sequer. Nogard estava pegando alguns galhos caídos com Arwen.
  - Nogard qual o seu sobrenome? – perguntou Arwen curiosa.
  Nogard deu de ombros.
  - Não sei, minha mãe disse que eu não preciso de um.
  - Que bobagem, todos precisam de um sobrenome, ele revela a história do seu passado, e lhe diz aquilo que irá herdar, eu sou uma sangue puro Bolkuriana, meus avós eram mestres da moeda no Palácio Vivo, e os Venderim foram muito importantes em toda a Arelon. – Nogard fez um apoio com as mãos e Arwen subiu em um galho mais baixo – Você sabia que os Curistas do reino surgiram em Bolkur?
  Nogard tocou seu colar, meu pai tinha um sobrenome, pensou o garoto.
  - Os Curistas não matam os Bulks, os arqueiros sim, Merlon me disse que meu pai matou muitos Bulks.
  - Seu pai era um ferreiro. – disse Arwen enquanto quebrava dois galhos com muitas folhas.

  - Mentira! – disse o garoto ficando irritado – Meu pai era um arqueiro, ele ensinava as pessoas como usar o arco e o reino não teria arqueiros se não fosse ele.
  - Acalme-se meu jovem. – disse Merlon aproximando-se de Nogard e lhe bagunçando os cabelos, que estavam cada vez maiores.
  - Seu pai era um arqueiro, Grão Arqueiro Bemiron, mas também era um ferreiro, e um dos melhores, todo bom guerreiro deve ser habilidoso com espada, machado, lança ou arco, alguns ainda se especializam em todas essas artes, porém nenhum guerreiro é melhor que aquele que conhece sua arma, seja um ferreiro Nogard, antes de ser um guerreiro, ou você será fraco e será quebrado, como sua espada.
  Os ferreiros possuíam grande prática na arte de produzir fogo rapidamente, alguns com pedras e outros com galhos. Não demorou muito e a fogueira começou a crepitar, o dia já começava a escurecer , uma sombra nascida do mal, que crescia no sul e tomava todo o céu de Andor. O povo de Andor sabia que o sol estava ali, que não era muito mais que inicio da tarde, porém não podiam vê-lo.
  - Não é seguro prosseguirmos durante a noite crianças, vamos comer algo e depois preciso lhes contar algo sério. – disse Merlon retirando um pequeno caldeirão da bagagem de sua carroça, enquanto Nogard e Arwen limpavam a área com galhos a pedido de Merlon.
  Merlon preparou um ensopado raso de legumes e pedaços de carne de cabra, serviu as crianças, que devoraram tudo sem reclamar, ele arrumou os sacos de dormir enquanto elas comiam, e depois voltou para a mesa.
  - Estava bom? – as crianças acenaram positivamente – Quando forem dormir terão leite, agora prestem atenção a cada palavra que eu lhes disser.
  Nogard e Arwen se espantaram com a seriedade de Merlon, a aparência de Merlon costumava ser de um bondoso senhor, com uma longa barba branca que lhe conferia um tom de sabedoria, ali porém não parecia mais o mesmo Merlon, estava recostado na cadeira, uma de suas mãos segurava sua cabeça, pensativo, seus olhos eram sombras na escuridão e sua Decadência parecia brilhar à luz das chamas da fogueira.
  - Esqueçam os Dragões.
  A frase de Merlon chocou as crianças com mais intensidade que sua aparência.
  - O que? – perguntaram em uníssono.
  - Exatamente isso que os seus ouvidinhos ouviram, esqueçam os Dragões, esqueçam suas preces e esqueçam seus ditados e frases. Estamos indo para uma das Nove Cidades, Arelon governa ali, e ele não tolera nada que lembre os Dragões, que ele faz questão de chamar de Covardes Alados.
  - Mas o Rei não esta lá. – disse Nogard.
  - O seu Rei está em todos os lugares Nogard, ele tem ouvidos e olhos por toda parte, e não toleraria menção aos Dragões, portanto não devem pronunciar essa palavra durante todo o tempo que estivermos em Pescoço dos Homens, vocês estão prestes a conhecer a verdadeira Andor e ela não é nada bonita. Entenderam?
  - Sim Merlon. – respondeu Arwen.
  Merlon olhou para Nogard e estreitou os olhos.
  - Não te ouvi Nogard.
  Nogard coçou a cabeça, mordeu os lábios e enfim falou.
  - Não vou falar Dragão na frente dos outros, mas preciso fazer minhas preces, minha mãe me disse que isso é importante.
  Merlon suspirou com tristeza.
  - Sua mãe está certa Nogard, mas dentro daquelas muralhas, nem tudo aquilo que parece certo deve ser realizado. Agora vão dormir, partiremos no fim da madrugada.
  As crianças se enrolaram nos sacos e adormeceram. Merlon enrolou-se em sua capa, acendeu seu cachimbo e sentou-se em uma das raízes do grande castanheiro.

  - É verdade, jamais poderei controla-lo, mas devo instrui-lo, o poder que reside nele é muito instável, só ele poderá mudar Andor, para o bem ou para o mal.